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Boas intenções de limitar riqueza pessoal levariam ao desastre

  • CeprevNews
  • 24 de mar.
  • 6 min de leitura

Proposta peca por falta de lógica e empobreceria as sociedades

 

Economista contesta o limitarianismo defendido pela filósofa Ingrid Robeyns em entrevista na Ilustríssima. Ele argumenta que a ideia de evitar a concentração individual de riqueza, sob o pretexto de justiça social e proteção da democracia, tem o mesmo problema de propostas semelhantes em tese bem intencionadas: desprezar as motivações centrais do desenvolvimento econômico e social, o que pode resultar em maior pobreza.

 

Em entrevista recente à Folha, a filósofa Ingrid Robeyns deu detalhes sobre sua proposta de colocar limites na riqueza pessoal e de como usar os recursos arrecadados, uma ideia que ela alcunha de "limitarianismo".

 

O conceito é discutido em um artigo acadêmico da autora ("What, if Anything, Is Wrong with Extreme Wealth?") e mais didaticamente exposto em livro recém-publicado ("Limitarianism: The Case Against Extreme Wealth", Ed. Astra House, 2024).

 

Neles, Ingrid Robeyns aponta que a concentração individual excessiva de riqueza (para ela, acima de US$ 10 milhões, ou quase R$ 58 milhões) não só favorece a captura do Estado pelos grupos poderosos, mas também corrompe a democracia ao permitir que os super-ricos convertam seu excedente em influência política desproporcional.

 

Dessa constatação, o limitarianismo pula para argumentar que o dinheiro que ultrapassa o necessário para uma vida plena (numa tradução livre de "fully flourishing life"), o que a autora chama de "dinheiro excedente", perde seu valor utilitário para o bem-estar pessoal e deveria ser redistribuído para atender às urgentes demandas coletivas, como a erradicação da pobreza extrema, a inclusão social e o enfrentamento de desafios globais, como as mudanças climáticas.

Defender o confisco do dinheiro alheio, sobretudo de bilionários, para fazer justiça social, como o leitor deve imaginar, sempre teve grande apelo popular —não por acaso, o livro já tem traduções encomendadas para mais de oito idiomas.

 

Embora Robeyns não seja a primeira intelectual, e nem será a última, a nos alertar sobre como a concentração de riqueza pode ameaçar o funcionamento saudável das democracias —uma ideia que remonta a Aristóteles, passa por Marx e Tocqueville, e foi mais recentemente retomada por Piketty —, sua proposta como um todo tem várias, digamos, singularidades. Destaco algumas.

 

A primeira: No meio de outras teorias de justiça distributiva (igualitária, utilitária, rawlsiana, "suficientária" etc.), o limitarianismo é a única explicitamente focada na cauda superior da distribuição de riqueza.

 

Na verdade, o limitarianismo nem parece se pretender uma teoria distributiva, pois seu argumento principal baseia-se na questão da igualdade política e não no aspecto de divisão de riqueza, que só valeria para os super-ricos.

 

Sim, não é tanto a desigualdade distributiva, tampouco a pobreza, que preocupa a Robeyns, mas o desequilíbrio de poder que os super-ricos criam ao usar seu "dinheiro excedente" para adquirir influência política. Essa singularidade, contudo, é uma mera curiosidade intelectual, na medida em que apenas trata de posicionar o limitarianismo no espectro de outros ideais morais de justiça social.

 

A segunda singularidade, e talvez mais interessante, é que, apesar de lidar com um problema real e estar bem-intencionada, toda a construção do limitarianismo se baseia em argumentos falaciosos que, por definição, cometem erros básicos de lógica.

 

Tal como aparece no livro e em outros manuscritos, o argumento central do limitarianismo parte da premissa de que "se um indivíduo possui dinheiro além do necessário para uma vida plena" (chamemos isso de A), então esse excedente será usado para influenciar a política (chamemos isso de B) desproporcional dos ricos na política (observamos B, portanto), deve então ser que esses indivíduos possuem o referido "dinheiro excedente" (A).

 

Essa linha de raciocínio é explicitamente uma falácia lógica (conhecida como "afirmação do consequente"), pois o fato de haver influência política (B) não implica necessariamente que ela decorra única e exclusivamente do excesso de dinheiro (A).

 

Não faltam exemplos em qualquer país democrático, pobres e ricos, de pessoas com riqueza abaixo da linha de R$ 58 milhões que, individualmente, exercem significativa influência política. O argumento não faz sentido.

 

Igualmente estranha é a ideia de que, acima de um certo nível, o dinheiro passa a ter efeito nulo sobre o bem-estar. A literatura científica em economia tem familiaridade com a noção de utilidade marginal decrescente do dinheiro (por exemplo, R$ 1.000 vale subjetivamente cada vez menos à medida que fico mais rico), mas não há evidência que ampare concluir que essa utilidade é zero.

 

Além disso, não é implausível que a riqueza considerada excessiva por Robeyns tenha impacto sobre bem-estar através de outros canais, como a filantropia, e não apenas sirva ao consumo pessoal.

 

Questões ignoradas

Mesmo que considerássemos essas inconsistências lógicas como problemas menores, o limitarianismo ignora mecanismos alternativos de promover as duas partes do seu argumento: o "democrático", que diz que a riqueza excessiva ameaça o ideal de igualdade política, e o "das necessidades insatisfeitas", segundo o qual o excedente de dinheiro, como não contribui para a prosperidade de seus detentores, deveria ser utilizado para mitigar a pobreza e financiar a educação.

 

Vários estudos mostram que financiamento público de campanhas, limites para doações e a imposição de tetos de gastos eleitorais podem reduzir a influência de indivíduos ricos e empresas na formulação de políticas públicas — mecanismos menos radicais de promoção de igualdade política que o livro deixa sem consideração.

 

A ideia de confiscar recursos dos mais abastados para financiar toda sorte de iniciativas igualitárias em serviços de saúde e educação já existe no mundo: é a boa e velha taxação praticada pelo Estado. Esse ponto é importante porque nos leva a duas questões que o limitarianismo também trata com certa superficialidade.

 

Uma é o risco de não haver nenhuma melhora significativa com essas medidas de limitação da riqueza. Vasta literatura empírica em economia e ciência política mostra como a implementação de programas redistributivos enfrenta desafios enormes, desde a burocracia estatal até problemas de corrupção e ineficiência na execução das políticas.

 

No caso do Brasil, por exemplo, estudos indicam como o arranjo tributário tem sido sistematicamente regressivo, evidenciando que os recursos transferidos ao Estado são pobremente convertidos em melhorias para os segmentos mais necessitados da população.

 

Aliás, o leitor brasileiro, por exemplo, consideraria plausível a hipótese de que o confisco de toda riqueza acima de determinado teto poderia na verdade aumentar as desigualdades políticas. O mecanismo passa pelos incentivos perversos que o confisco criaria, tornando mais atraente o que os economistas chamam de "captura do Estado": a formação de conluios de agentes de dentro e de fora da estrutural estatal para capturar nacos cada vez maiores dos recursos que transitam pelos cofres públicos.

 

A captura criaria ou ampliaria então o potencial de o próprio Estado servir como uma máquina de ampliação de desigualdades, o contrário do que pretende o limitarianismo.

 

A filósofa Robeyns, mesmo sendo também economista (com graduação e pós na área), deixou de lado o que poderíamos chamar de "dilema dos prisioneiros" do limitarianismo: sem uma ação coordenada e simultânea global, os países que impusessem um teto de riqueza teriam fuga de capitais, perda de empregos e consequente queda na arrecadação tributária, já que os mais ricos tenderão a migrar para lugares que não adotaram a medida.

 

Nesse tipo de cenário, pelo equilíbrio de Nash (a previsão de escolha racional coletiva, por assim dizer), nenhum país teria incentivo para implementar esse confisco.

 

Consequências não intencionais

A outra questão, e talvez a mais importante, é a das consequências indiretas do confisco de fortuna. Robeyns até reconhece os conflitos que esse tipo de taxação cria entre atender o argumento da igualdade política (e causar um desincentivo massivo na criação de grandes empresas, com efeitos desastrosos sobre arrecadação) ou atender as necessidades urgentes (e taxar apenas progressivamente mais, deixando ainda espaço para a influência política dos super-ricos).

 

Reconhecer esse dilema, porém, está longe de dar conta das implicações totais do limitarianismo. Um confisco de tudo que exceda R$ 58 milhões (ou qualquer outra cifra nessa vizinhança) teria um efeito cascata sobre empreendedores, que se veriam desestimulados a inovar e expandir suas empresas, dois motores do progresso tecnológico e do aumento de produtividade.

 

Ao implodir um mecanismo central do crescimento econômico, o limitarianismo pode, no médio e longo prazo, nos conduzir a um lugar de maior equidade política, mas simplesmente porque haveria muita mais pobreza sendo distribuída —um resultado obviamente distante do que intenciona lograr.

 

As reações adversas no front econômico não são as únicas. Uma taxação que efetivamente confisca tudo que for considerado riqueza excessiva pode induzir uma erosão do respeito às leis e normais sociais se o Estado —que seria, em toda probabilidade, maior do que já é— não garantir o retorno social prometido, criando assim um senso de injustiça e de (maior) desconfiança no governo.

 

Em última análise, a ideia limitarista distorce incentivos e viola, em essência, princípios de propriedade, sob o pretexto de fazer justiça social e proteger a democracia. No fim das contas, acaba sendo o que foram historicamente outras ideias que sacrificam liberdade por igualdade: atraente à primeira vista, mas com consequências econômicas e políticas potencialmente desastrosas.

 

Sérgio Pinheiro Almeida - Professor de economia dos recursos humanos e economia comportamental do Departamento de Economia da USP

 

 

Fonte: Folha de São Paulo

Foto: Freepik

 

 
 
 

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