Comprar iPhone nos EUA ainda vale a pena depois do tarifaço de Trump?
- CeprevNews
- 8 de abr.
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Impostos sobre importações da China podem elevar preço do celular em até 34 pontos percentuais
O novo pacote de tarifas anunciado pelo presidente Donald Trump na quarta-feira, 2, pode impactar significativamente o preço do iPhone nos EUA. A medida prevê uma alíquota total de 54% sobre produtos chineses, país onde a Apple fabrica cerca de 90% de seus smartphones. Com o aumento dos custos de produção, é possível que a empresa repasse parte desse valor ao consumidor, aproximando o preço do aparelho ao praticado no Brasil e reduzindo a vantagem de comprá-lo no exterior. As negociações ainda estão em andamento, e o cenário permanece incerto, mas já existem alguns caminhos para o novo preço do smartphone.
As novas tarifas, que começam a valer em 10% a partir de sábado, 5, serão ampliadas na quarta-feira, 9 — elas fazem parte da política de Trump de “tarifas recíprocas”, que visam equilibrar o comércio global, segundo o republicano. No entanto, os efeitos podem ser amplos, atingindo empresas e consumidores nos EUA.
Atualmente, os produtos da Apple importados da China e vendidos nos EUA já encaram uma alíquota de 20%, mas, com o tarifaço de Trump, seria a alíquota pode subir mais 34 pontos porcentuais, chegando a 54%. Se a Apple decidir repassar a alíquota, o aumento é significativo. Por exemplo, o modelo de 128 GB do iPhone 16 Plus custa US$ 899 nos EUA, mas, com a nova tarifa, o preço pode subir para cerca de US$ 1.204. Convertendo para reais, isso equivale a aproximadamente R$ 6.746, considerando a cotação do dólar a R$ 5,60.
Com isso, o preço final nos EUA ficaria mais próximo ao praticado no Brasil, onde o mesmo modelo custa a partir de R$ 9.499. Na prática, a diferença de preço entre os dois países cairia de 47% para 29%, tornando menos vantajosa a compra do smartphone por brasileiros em viagens aos EUA.
“Os brasileiros que viajam aos EUA para comprar iPhones, mesmo com tarifas mais altas, provavelmente continuarão fazendo isso, mas talvez passem a preferir a Europa”, afirmou Paulo Vicente, professor associado da Fundação Dom Cabral ao Estadão. “Ir para a Europa pode se tornar uma alternativa mais viável, já que as novas taxas de importação nos EUA devem pressionar os preços. Além disso, a entrada nos EUA está cada vez mais difícil, com o visto mais burocrático e uma fiscalização alfandegária mais rigorosa, o que pode tornar a Europa uma opção mais vantajosa”, explicou o especialista.
Na Europa, o mesmo iPhone 16 Plus custa € 1.129. Considerando a cotação do euro a R$ 6,20, esse valor equivale a R$ 6.983, uma diferença de aproximadamente 36% em relação ao preço no Brasil e de 3,39% em relação ao valor final nos EUA com a nova tarifa.
Produção concentrada na Ásia
A Apple tem sua fabricação fortemente concentrada na China e, mais recentemente, no Vietnã e na Índia. No entanto, as novas tarifas de Trump não se limitam ao território chinês: o Vietnã terá alíquota de 46%, e a Índia, de 26%. Essas alíquotas podem atingir dispositivos como o Apple Watch, o iPad e os AirPods.
A tentativa da Apple de diversificar sua produção para escapar de tarifas pode, assim, ter sido neutralizada pelas novas regras do governo Trump, que ampliam a taxação para parceiros estratégicos da marca.
Procurada pela reportagem, a empresa não se manifestou, mas historicamente a Apple busca evitar aumento de preços abruptos, absorvendo parte dos custos ou realocando a produção — com uma margem de lucro de cerca de 38% por aparelho, a companhia consegue segurar repasses bruscos. Ainda assim, especialistas apontam que o impacto no custo de produção pode ser grande demais para ser ignorado.
“Se a Apple quiser evitar o repasse de custos ao consumidor, uma alternativa seria revisar os impostos de importação. No entanto, reduzir esses impostos significaria abrir mais o mercado para produtos estrangeiros, o que poderia desestimular a produção local”, explicou Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da PUC ao Estadão. “A questão a ser avaliada é: o país prefere pagar menos e ter uma renda mais baixa ou incentivar a produção doméstica, aumentar a renda e arcar com preços mais altos? Essa é a escolha”, afirmou a economista.
Incertezas e negociações
Embora a Casa Branca tenha anunciado com fanfarra as novas alíquotas, os países devem entrar em negociações individuais com os americanos o que significa que pode não ter o aumento de 34% na alíquota. E o caso chinês tem muitas variáveis, uma delas é o TikTok.
Trump sinalizou que poderia flexibilizar sua política tarifária caso Pequim aceitasse vender as operações do TikTok nos EUA. Em declarações feitas a bordo do Air Force One nesta quinta-feira, 3, o presidente afirmou que estaria disposto a reduzir tarifas caso recebesse algo “fenomenal” em troca, sugerindo que um acordo envolvendo o aplicativo chinês poderia fazer parte dessas negociações.
O TikTok, controlado pela ByteDance, enfrenta um prazo iminente para se desfazer de suas operações americanas, e Trump indicou que a China poderia buscar melhores condições tarifárias ao atender a essa exigência.
Embora Trump tenha condicionado um possível alívio tarifário à venda do TikTok, a possibilidade de recuo ou adiamento das tarifas não pode ser descartada. Historicamente, sua administração já postergou a implementação de tarifas em diversas ocasiões, seja por pressão do setor empresarial, seja por questões políticas.
Com as eleições especiais para a Câmara dos Representantes dos EUA concluídas na terça-feira, 1º, um aumento expressivo nos preços de produtos populares, como o iPhone, poderia gerar insatisfação entre os consumidores e impactar negativamente a administração atual. Além disso, a Casa Branca pode enfrentar resistência do próprio Congresso, que pode pressionar por alternativas menos drásticas na disputa comercial com a China. Nesse cenário, a ameaça tarifária pode servir mais como instrumento de barganha do que como uma decisão definitiva, dependendo da resposta de Pequim e do impacto político interno nos EUA.
Possíveis cenários
Com isso, surgem alguns possíveis cenários para a nova precificação do iPhone, que podem eliminar ou manter a vantagem para brasileiros interessados em importar o bem.
Cenário A: Reorganização produtiva e impacto global
Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da PUC, explicou que o Brasil segue entre os países onde o iPhone é mais caro, ao lado da Turquia. O alto valor do aparelho no mercado nacional está mais ligado às tarifas e à oscilação cambial do que ao custo de produção.
A nova política tarifária dos EUA sobre produtos asiáticos pode levar a uma reorganização da cadeia produtiva global, impulsionando a produção no Brasil por meio da Foxconn, empresa taiwanesa e maior fabricante de eletrônicos do mundo, que já opera no país. Nesse cenário, a Apple poderia aumentar a importação de componentes chineses e reduzir custos. “Se houver uma redistribuição na produção, a Foxconn pode ampliar sua operação local, diminuindo gastos e fortalecendo a presença da Apple no Brasil”, afirmou Cristina.
No entanto, essa movimentação contraria os planos dos EUA, que tentam incentivar a produção interna com o aumento das tarifas. Caso a fabricação volte para os EUA, o acesso a componentes internacionais pode se tornar mais restrito, elevando os custos. A disputa comercial também impacta a exportação de minérios essenciais para a indústria eletrônica, com a China reajustando impostos sobre esses insumos.
Cristina também destaca que a desvalorização do dólar pode ser um efeito indireto do tarifaço, com impacto moderado na inflação global. “Os modelos que analisei apontam uma leve desvalorização do dólar, o que teria impacto na inflação global, mas de forma moderada”, explicou.
Os primeiros efeitos da nova política comercial, segundo a especialista, devem aparecer até o fim do primeiro semestre deste ano, refletindo na movimentação cambial e no planejamento das importações. Ainda assim, o preço do iPhone deve continuar elevado no Brasil devido à alta carga tributária.
Cenário B: Forças opostas sobre o dólar e indefinição da Apple
Paulo Vicente, professor associado da Fundação Dom Cabral, avalia que o impacto das tarifas dos EUA dependerá do comportamento do dólar, influenciado pelo aumento dos custos de importação e pela política cambial de Donald Trump. “As tarifas pressionam os preços para cima, mas Trump quer enfraquecer o dólar para estimular exportações. Isso torna o cenário incerto”, explicou.
A Apple, por enquanto, não reajustou os preços, mas consumidores já antecipam compras temendo aumentos. Segundo Paulo, uma possibilidade é que os valores sejam ajustados no segundo semestre, aproveitando a temporada de vendas do Natal. Ele lembra que, em seu primeiro mandato, Trump cedeu à pressão de grandes empresas e flexibilizou tarifas, o que pode ocorrer novamente.
Cenário C: Incerteza sobre alíquotas e impacto no setor tecnológico
Juliana Inhasz, professora do Insper, destacou ao Estadão que o mercado financeiro segue atento à implementação das novas tarifas, ainda sem uma definição clara sobre as alíquotas. Caso sejam somadas às já existentes, a taxa sobre importações pode, de fato, chegar a 54%, elevando o custo de produtos estrangeiros nos EUA.
Ela avaliou que, embora o dólar possa sofrer uma leve queda, o impacto não deve ser significativo, enquanto os preços dos iPhones tendem a subir. Com isso, a Europa e países como a China podem se tornar opções mais vantajosas para a compra dos aparelhos.
Diante da instabilidade regulatória, o setor de tecnologia hesita em expandir. “As empresas travaram investimentos. Ninguém quer alocar grandes recursos sem previsibilidade”, analisou Juliana. Ela estima que os preços do iPhone possam subir entre 30% e 40%, tornando a compra nos EUA menos atrativa para brasileiros.
Uma alternativa, em sua visão, seria expandir a produção nos EUA, promessa que ainda não se concretizou em larga escala. No curto prazo, a Apple pode absorver parte dos custos para evitar um repasse imediato, mas isso pode beneficiar concorrentes como a Samsung, que aposta em inteligência artificial (IA) para ganhar mercado.
Caso a Apple repasse os custos ao consumidor, o impacto será ainda maior no Brasil, onde a alta carga tributária e o câmbio volátil já tornam o iPhone um dos smartphones mais caros do mundo. “Como os iPhones vendidos no Brasil são, em sua maioria, importados ou montados com peças do exterior, qualquer alta no dólar se traduz quase automaticamente em aumento de preço”, explicou Juliana.
Cenário D: Estratégias da Apple e impacto no Brasil
Com a Apple concentrando grande parte de sua produção na Ásia, o aumento dos custos de fabricação pode levar a reajustes globais. Mesmo que os aparelhos não sejam exportados diretamente dos EUA para o Brasil, a alta nos custos pode tornar o smartphone ainda mais caro no mercado brasileiro, que já enfrenta uma carga tributária elevada e um câmbio instável.
“Embora o iPhone não seja exportado diretamente dos EUA para o Brasil, o aumento dos custos de produção pode elevar o preço final global do produto”, afirmou Hugo Garbe, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie ao Estadão.
Além disso, o tarifaço pode gerar tensões comerciais internacionais, resultando na valorização do dólar. Diante da incerteza econômica, investidores tendem a buscar ativos mais seguros, como a moeda americana, o que pressiona o câmbio em países emergentes como o Brasil. Como a maioria dos iPhones vendidos no país são importados ou montados com componentes estrangeiros, qualquer alta no dólar pode rapidamente se refletir nos preços para o consumidor final.
Os brasileiros que costumam comprar iPhones nos EUA também podem sentir os efeitos do novo tarifaço. Se os preços dos dispositivos subirem no mercado americano, a diferença de valor em relação ao Brasil pode se tornar menos vantajosa. Além disso, a desvalorização do real e a possibilidade de impostos na alfândega ao retornar ao país podem reduzir ainda mais os benefícios dessa prática. “O câmbio desfavorável somado ao possível aumento de preços nos EUA pode fazer com que a diferença em relação ao Brasil não seja mais tão atrativa — especialmente com a incidência de impostos de importação ao voltar ao país”, alertou Garbe.
Consumidores podem buscar alternativas
Caso os preços do iPhone realmente subam, consumidores podem buscar alternativas, como modelos anteriores ou concorrentes diretos — a exemplo de Samsung, que também enfrentam desafios com as tarifas, mas contam com uma produção mais diversificada.
“Como provavelmente os iPhones vão encarecer, uma solução seria optar por modelos anteriores ou mais simples, como o iPhone SE”, sugeriu Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral.
Outra possibilidade, segundo Juliana Inhasz, professora do Insper, é mudar de sistema operacional ou considerar a compra em outros países, além dos EUA. “Talvez o mercado de usados seja uma alternativa para quem quer comprar um iPhone, mas não consegue arcar com o preço atual nem com um possível aumento no futuro. Assim, a escolha será entre absorver o custo elevado ou repensar a troca de aparelho, buscando opções em outros mercados. Miami pode deixar de ser um destino viável para essa compra em breve. Nesse caso, explorar países como a China pode ser uma alternativa”, avaliou.
Também podem ganhar força estratégias como comprar em revendedores locais, aproveitar promoções ou recorrer a planos de operadoras que ofereçam descontos no aparelho.
Por que o iPhone é tão caro no Brasil?
O alto custo do iPhone no Brasil se deve a uma série de fatores que vão além da simples conversão do dólar para o real. Ao chegar ao mercado brasileiro, o preço final se torna significativamente maior devido a impostos, logística de importação e posicionamento da marca como um produto premium no país.
A carga tributária brasileira é um dos principais componentes que elevam o preço do aparelho. O iPhone importado está sujeito a impostos como o Imposto de Importação, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). De acordo com especialistas, cerca de 52% do valor final do iPhone no Brasil vem dessa carga tributária, tornando o custo do aparelho muito superior ao praticado em mercados onde a tributação sobre o consumo é menor.
Outro fator que influencia o preço é a estratégia de mercado da Apple. Globalmente, a empresa adota uma política de preços elevados para manter sua identidade como marca de luxo, e no Brasil essa estratégia se mantém. Com lojas em bairros nobres e um público fiel disposto a pagar pelo status do produto, a Apple consegue manter margens de lucro mais altas, mesmo vendendo um número menor de unidades em comparação com concorrentes como Samsung e Motorola, que possuem uma variedade maior de modelos acessíveis.
A produção local poderia ser uma alternativa para reduzir custos, mas isso nem sempre se traduz em preços mais baixos. Embora a Apple tenha uma linha de montagem no Brasil, essa estrutura atende apenas modelos mais antigos, enquanto os lançamentos mais recentes ainda são importados. Além disso, os altos custos trabalhistas e burocráticos do país dificultam a competitividade da fabricação nacional em relação a países como a China, onde a empresa concentra sua produção global.
A escala de distribuição também impacta os preços no Brasil. Enquanto concorrentes vendem milhões de aparelhos em diferentes faixas de preço e conseguem negociar melhores condições com varejistas e operadoras, a Apple foca no segmento premium, onde há menor volume de vendas. Isso limita as possibilidades de descontos e promoções, fazendo com que o consumidor brasileiro pague um preço elevado para ter um dos smartphones mais desejados do mundo.
Estratégia de Trump e mudança na fabricação de iPhones
Com a alta nas tarifas de importação, cresce o debate sobre a possibilidade de a Apple transferir parte de sua produção para os EUA, o que poderia manter o aparelho atraente para brasileiros. Especialistas, porém, avaliam que essa mudança é improvável no curto prazo.
“É incerta a forma como eles vão lidar com isso, mas, se eu fosse a Apple, consideraria um reajuste de preços no segundo semestre, talvez em setembro, para não ficar tão perto do fim do ano”, disse Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral.
Já Cristina, professora de PUC, acredita que os efeitos das tarifas devem aparecer mais rapidamente. “Como a aplicação foi imediata e os mercados estão altamente integrados, acredito que já veremos impactos até o final deste semestre. Não digo que será neste mês, porque importações e exportações são contratadas com antecedência, e muitas operações cambiais já foram travadas no mercado futuro. Mas, até junho, teremos uma reconfiguração clara”, afirmou.
Para Hugo Garbe, professor do Mackenzie, “historicamente, os impactos de medidas tarifárias costumam ser sentidos entre três e seis meses após a implementação, dependendo da velocidade de ajuste da cadeia logística e dos estoques disponíveis”.
A China mantém uma infraestrutura industrial e um volume de mão de obra qualificada que os EUA não conseguem igualar. O próprio CEO da Apple, Tim Cook, afirmou em 2017 que a capacidade de engenharia da China é difícil de reproduzir nos EUA, o que torna a realocação da produção em larga escala um desafio.
Além disso, iniciativas anteriores da Apple para fabricar produtos nos EUA enfrentaram dificuldades. A produção do Mac Pro no Texas, por exemplo, sofreu com a escassez de fornecedores locais e problemas na cadeia de suprimentos.
Fonte: Estadão
Foto: Freepik
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