Retornos recentes testam investidores, mas vieses comportamentais podem ser o maior desafio
Imagine que você decide planejar uma longa viagem de carro. Você traça a rota, calcula o tempo estimado e escolhe os pontos de parada. Mas, no meio do trajeto, o trânsito se intensifica, a estrada tem buracos e a gasolina custa mais do que você previu. Frustrado, você começa a questionar se deveria ter escolhido outra rota ou até mesmo cancelado a viagem. O mercado financeiro é como essa jornada: o planejamento é essencial, mas os imprevistos no caminho podem testar sua confiança e resiliência.
Recentemente, muitos investidores brasileiros têm olhado no retrovisor e questionado suas escolhas. Afinal, o retorno acumulado desde 2019 de investimentos de risco foi aquém das expectativas. O Ibovespa apresentou uma valorização anual média de apenas 1,1%. O Idiv, índice de ações pagadoras de dividendos, teve um desempenho um pouco melhor, com 5,6% ao ano, enquanto os fundos multimercados alcançaram 7,1% ao ano. Os fundos imobiliários, por sua vez, tiveram um retorno negativo de -1,6% ao ano. Tudo isso em um período em que o CDI, o índice de referência da renda fixa no Brasil, rendeu o equivalente a 8,6% ao ano. Até mesmo os índices de títulos públicos federais referenciados ao IPCA e prefixados perderam para o CDI.
Diante desses números, dois vieses comportamentais, estudados em profundidade por psicólogos e economistas como Daniel Kahneman, Amos Tversky e Baruch Fischhoff, ajudam a explicar a frustração e a tomada de decisões precipitadas dos investidores.
O primeiro é a aversão à perda, que nos faz sentir mais a dor de um desempenho abaixo do esperado do que o prazer de um ganho proporcional. O segundo é o viés retrospectivo, que nos faz acreditar que os resultados passados eram previsíveis, mesmo quando as incertezas eram claras.
A aversão à perda cria um ciclo perigoso. Um investidor que esperava retornos superiores em Tesouro IPCA pode decidir abandoná-los completamente, esquecendo-se de que, historicamente, esses títulos tendem a superar o CDI a longo prazo. Já o viés retrospectivo leva ao famoso "eu já sabia", dificultando a análise objetiva do que realmente ocorreu e desviando o foco do planejamento estratégico.
A lógica de curto prazo é tentadora, especialmente em um país com juros elevados como o Brasil. No entanto, é essencial lembrar que o mercado é cíclico, e o desempenho de um período não deve ser usado isoladamente para moldar decisões futuras.
A saída para esse dilema está em uma combinação de planejamento e resiliência. Investidores devem alinhar expectativas realistas ao seu perfil de risco, entendendo que a jornada dos investimentos é repleta de curvas e imprevistos. Uma carteira bem diversificada, revisada periodicamente, e a orientação de profissionais experientes são fundamentais para navegar por períodos de incerteza.
Portanto, em vez de desistir da rota planejada ao primeiro sinal de trânsito, pare, reavalie e continue. O horizonte pode estar escondido atrás das nuvens, mas é sempre alcançável para quem tem paciência e visão de longo prazo. Afinal, investir não é sobre acertar sempre, mas sobre continuar firme no caminho certo.
Fonte: Folha de São Paulo
Foto: Freepik
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