Os riscos da superexposição de influenciadores adolescentes nas redes sociais: 'eles se tornam adultos imaturos e impulsivos'
- CeprevNews
- 26 de mai.
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Atualizado: há 1 hora

Casos recentes repercutiram pelo país e jogaram luz sobre o tema, alvo de preocupação de especialistas em infância e adolescência
Nas últimas semanas, casos que envolvem a superexposição nas redes sociais de adolescentes têm repercutido por todo o país e colocado vidas privadas de jovens no centro de debates calorosos que envolvem mídia, opinião pública e uma enxurrada de julgamentos. Os episódios retratam uma preocupação de especialistas em infância e adolescência: o impacto na saúde mental e emocional de indivíduos que ainda estão em desenvolvimento.
Um dos casos envolveu conflitos em relacionamentos amorosos de um grupo de então amigas que, juntas, somam dezenas de milhões de seguidores em plataformas como TikTok e Instagram. Uma delas, a influenciadora Antonela Braga, de apenas 16 anos, chegou a ver seu perfil saltar para 7 milhões de seguidores e reconheceu numa postagem estar angustiada à medida que “mundo inteiro estava acompanhando tudo”.
Outro caso que chamou a atenção é o de Miguel Oliveira, de 14 anos, conhecido como “missionário mirim”. O jovem, que viralizou por vídeos de pregações, chegou a receber ameaças de internautas, que são apuradas pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). Para preservar o adolescente, o Conselho Tutelar proibiu que Miguel continuasse a pregar em igrejas e usar as redes.
— Se pensarmos em outras mídias, como a televisão, temos relatos de jovens que passaram por essa exposição e tiveram um impacto bastante negativo. Esses influenciadores recebem likes, comentários e patrocínios por quem eles “são”. O risco é que a identidade deles acabe moldada por essa resposta. E o mais perverso é que o sucesso, ou não, às vezes depende não do esforço, mas de um algoritmo. E estamos falando de um público sem recurso emocional para lidar com essa dinâmica, então as chances de depressão, ansiedade, abuso de substâncias, problemas do tipo tornam-se muito grandes — avalia Guilherme V. Polanczyk, psiquiatra de crianças e adolescentes e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Arthur Caye, também psiquiatra da faixa etária e gerente de pesquisa do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (Cism), lembra que mais da metade dos transtornos mentais têm início na adolescência, quando o indivíduo ainda passa por um desenvolvimento cerebral e emocional e pela formação de sua identidade. Durante esse processo, é natural buscar a validação dos pares, mas a dinâmica ganha novos contornos com as redes, explica:
— Se eu buscava aprovação de colegas de turma, isso muda completamente com as redes, que têm formas de avaliação distintas e um público irrestrito. Tudo é muito amplificado e passa a ser constante. Um ponto importante é o quanto posso ser julgado em massa e o impacto disso em alguém que está se definindo como pessoa. A adolescência é um período de intensa plasticidade cerebral, definição de personalidade, de habilidades cognitivas e interpessoais, um momento chave.
Ao se expor na internet, tudo é mais delicado também pois é um ambiente em que os códigos de conduta do que é certo e errado são menos claros. Segundo o especialista, ao longo de toda a humanidade os valores eram repassados principalmente por meio das famílias. Durante a adolescência, o jovem os colocava em prática e os adaptava para si. Mas agora, a realidade é diferente.
— Essas definições ficaram mais turvas. Por que o que é adequado ou não nas redes, já que não temos exemplos antigos? Curtir uma foto, seguir alguém, pode ser um problema? É um “código moral” que é muito novo e mais confuso, abrindo margem para amplificar questões que já existiam de outras formas no mundo offline, mas que tornam-se muito mais frequentes e expostas — diz.
Maico Costa, psicólogo e psicanalista, coordenador do Centro de Humanização da Faculdade de Medicina da USP, concorda que essa superexposição “compromete a construção da subjetividade” dos jovens, e afirma que o sofrimento psíquico, neste caso, “torna-se uma consequência quase inevitável”:
— As redes sociais apresentam uma grande profusão de imagens e papeis sociais a serem seguidos, um excesso que fragiliza o processo de singularidade dos adolescentes e pode gerar angústia e sensação de vazio. No caso dos influenciadores, o impacto se agrava, seus desejos ficam em segundo plano, e sua imagem vira objeto de troca comercial.
Quem também vê com preocupação a “profissionalização” do adolescente nas redes sociais é o psiquiatra e psicanalista Roberto Santoro, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP):
— Quando você faz sucesso, não sabe se as pessoas gostam de você mesmo ou da persona que você fabricou, porque o adolescente não tem a identidade formada ainda. Ele precisa de tempo para elaborar seu processo de desenvolvimento, mas, quando fica sobrecarregado com trabalho, muitos tornam-se adultos imaturos e impulsivos.
O impacto é negativo também para aqueles que acompanham as celebridades mirins. Caye pontua que é natural da adolescência que alguém se destaque e seja um “modelo” em que os outros se espelham. Mas, se antes isso acontecia com um colega de classe, a história é outra com os influenciadores.
— Meu colega de sala até podia distorcer um pouco a verdade, mas era um recorte completamente diferente de como é hoje nas redes. Um influenciador vira espelho para milhões de pessoas e usa a lente das redes, criando um personagem inalcançável. Dependendo do jovem e da dificuldade que ele tem de compreender isso, pode virar uma eterna insatisfação e angústia — explica.
Para Polanczyk, esse personagem é parte do motivo pelo qual os influenciadores adolescentes fazem tanto sucesso:
— Eles representam um ideal: são bonitos, famosos, com amigos, namoros, roupas bacanas. Acontece uma identificação e uma busca por ser aquelas pessoas, ter aquelas vidas. Há o risco de os adolescentes acreditarem que aquela vida perfeita existe, ou seja, é a criação de um mundo de fantasia perfeito que, na verdade, é uma armadilha tanto para aqueles que o vendem, como para os que estão consumindo.
Santoro, que também é presidente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), acredita que é importante que os pais se envolvam nesse debate e atuem como modelos para os filhos.
Para isso, porém, é preciso compreender esse ambiente digital:
— Há uma tendência à impulsividade e a não enxergar que as ações podem levar a consequências ruins na adolescência, mas os adultos têm esse entendimento. Por isso, um diálogo aberto e não arrogante é o caminho necessário. Mas para isso, é preciso se interessar pelo que os adolescentes estão fazendo, e ter uma postura não autoritária. Idealmente, isso deve começar na infância.
Costa defende ainda que medidas sejam tomadas para tornar as redes sociais um lugar de menos hostilidade, que não infrinja o “pacto civilizatório”:
— É necessário construirmos condições que permitam habitar as redes sociais, e isso serve como limites e contornos ao ‘ofício’ de ‘influenciadores’, resguardando ao adolescente o seu potencial de sujeito em formação. Isso pode incluir limites de carga horária, acompanhamento psicológico, responsabilidade dos responsáveis e plataformas e educação digital consciente.
Fonte: O Globo
Foto: Freepik
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